16/01/2007

Cai o veu

Joséphine era uma jovem oriunda de uma família remediada, que tentava construir a sua vida com o seu noivo de longa data, na sua franco-provença natal. Jean-paul, o noivo, era um rapaz lutador e ambicioso, fluente em abissíntio, a língua mais falada no novo continente da trans-abissíntia. Esta era agora a região mais rica de todo o planeta, para onde convergiam os principais fluxos de migração mundiais, pois os índices de crescimento económico da nova terra eram por demais atractivos, o nível de vida era incomparável, o poder de compra inigualável, a oferta de emprego generosa e irresistível. Na cabeça dos dois jovens provençais, a trans-abissíntia era a promessa terrena de futuro, de dias melhores, e empenharam-se como puderam para alcançar o precioso visto e passaporte obrigatórios para cumprirem o seu sonho. Mas, ao chegarem à trans-abissíntia, descobriram o preço a pagar pela abundância e fartura da nova terra: o preço da integração. De facto, os trans-abissíntios insistiam no direito de exigir tal preço aos cidadãos estrangeiros, para que os seus costumes e modos de vida fossem preservados, e todos os ideais por que tinham lutado e sofrido fossem sempre respeitados, assimilados e, acima de tudo, reconhecidos como produto de uma civilização intelectualmente superior, capaz de distinguir o rumo certo da história com uma clarividência algo divina e inquestionável, como qualquer outro povo habitante da terra instintivamente perceberia. Bom, tudo estava bem, não fosse o facto de joséphine ser uma jovem ocidental de costumes tradicionais, para quem o hábito trans-abissíntio de andar de tronco nu causava algum desconforto. Não tinha nada a dizer em relação ao facto de as mulheres trans-abissíntias o fazerem descontraidamente, ela já sabia que este era o costume vigente da nova terra, mesmo antes de lá chegar. Só não encarava bem quando faziam observações à indumentária que insistia em usar, que continuava fielmente franco-provençal, revelando sempre a sua origem ocidental. Na minha terra, tentava argumentar sempre que lhe sugeriam para tirar a blusa ou a t-shirt, perderia imediatamente o emprego por andar destapada e os senhores ainda apanhariam com um processo por assédio, ou apanharia eu, por atentado ao pudor.

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