- Menina, posso sentar-me aqui ao seu lado? Desculpe, menina, mas aquele banco está à sombra e os outros estão ocupados... oh, está a ver? Eu conheço aquelas senhoras, mas não me apetece... Eu ando ali no lar, sabe? Ali, na rua do vilar, ao pé da igreja, sabe qual é? ... Quer dizer, vou lá comer, à noite não fico lá. À noite, tenho a minha casinha, é triste, estou muito sozinha, mas é melhor...É isso menina, é um centro de dia, a menina sabe o que é? Ah, a sua mãe tem um lar. Sei qual é, sei qual é, sim senhora. É muito bom. Não tem muito tempo, esse, pois não? Este é mais antigo. Eu estou bem lá, gosto das doutoras. Elas dizem-me "dona belmira", e eu digo logo: "dona belmira, não. Belmirinha. Somos amigas, não somos?". Elas tratam-me muito bem e fazem passeios... Eu gosto disso. Sou muito sozinha, não é? Tinha o meu marido, muito bom, muito bom para mim, para os filhos. Mas era doente pela bola. Olhe, estava a ver um jogo, era o porto boavista, sentiu-se mal. Era portista, era, era doente. O que ele gostava do porto. O porto perdeu 4 a 0, nunca mais me esquece. E ele, e ele... fiquei sozinha. Tenho as vizinhas, as outras senhoras, olhe, aquelas também, estão agora ali naquele banco... mas não gosto, menina. 'Tá-me a compreender? Eu gosto de falar de mim, não é dos outros... já percebeu? É. Já tenho 83 anos... mas até prefiro estar sozinha. Prefiro, não gosto daquelas conversas... São muito boas senhoras, mas não gosto. Prefiro sentar-me aqui, ao lado da menina... Havia um senhor, vínhamos todos os dias aqui passear ao palácio. Era um homem muito correcto. Mas tinha aquela religião...sabe? Aquela, ali, da rua miguel bombarda. Um dia disse-me: "belmirinha, já é altura de nos tratarmos de outra forma. Venha morar comigo e casámo-nos". E eu disse-lhe: "não, alberto, o meu marido não ia gostar, nem os meus filhos, eu estou bem assim". Mas a verdade, menina, é que ele era de outra religião, e eu... e eu... e eu, olhe, não sei. Só sei que não me convidou mais para passear e já nem aparece para comer no lar. Mas era um homem muito bom, muito bom também. Era uma companhia, falávamos muito. Eu não gosto de falar com aquelas senhoras, está a ver? Até mal dos filhos dizem, e eu não acho bem, não é? Os filhos têm a vida deles, eles é que sabem, é deixá-los... O meu marido era carmélio, é um nome surpreendente, não é? Nós até chamámos assim a um dos nossos netos... foi uma trabalheira! Dá muito trabalho, eles lá são muito rigorosos... mas o nome já estava registado, então... ficou. E eu sou a belmira... não gosto é que digam: "dona belmira". No outro dia, as doutoras levaram-me àquelas casas... que mostram fotografias, sabe? Sabe como é? É tudo tão bonito, são fotografias que aquilo é arte, é maravilhoso. E eu gosto tanto...Sabe como são essas casas, como se chamam... a gente vai lá e fica sempre tão impressionada, aquilo é tão bonito, aqueles trabalhos muito bem feitos... é um museu, é isso, é, menina. Eu gosto muito, e as doutoras sabem que eu gosto, fazem passeios. Mas vamos só nós, do lar, as vizinhas não vão. Sabe? Também, acho que nem iam gostar. É melhor assim, não é? Vai embora? Ah, trabalha ali... Eu tinha aí um sobrinho, trabalhava assim, sabe o que é? É isso, é, era escriturário. Já mudou, mas está muito bem. Eu vou consigo, vou consigo até à porta, as senhoras ali vão ficar a olhar, mas não faz mal. Eu gosto de vir aqui assim, arranjo sempre companhia. Então adeus menina, adeus, deus a ajude. Como se chama? Susana? Ah, então adeus, menina susana, gostei muito de falar consigo. Quando a vir aqui no jardim, já sei. Eu sou a belmirinha, também já sabe, já somos amigas. Adeus, menina, adeus.